Enfrentando crises no ministério

       Já vimos que o fato de uma pessoa ser um obreiro não lhe tira a possibilidade de enfrentar conflitos ou de entrar em crise. Talvez, você esteja perguntando nesse momento: “Mas afinal de contas, porque é que entramos em crise?”. Caro obreiro, crise não é sinônimo de pecado, ou de falta de comunhão com Deus, ou de opressão diabólica, ou de maldição ou algo semelhante. Qualquer pessoa de qualquer idade, raça, nível intelectual ou credo pode enfrentar algum tipo de crise na vida, inclusive você. Por isso, líder e conselheiro do Senhor, você deve entender as dificuldades e conflitos psíquicos que as pessoas enfrentam para melhor mentoreá-las (Mentor, em uma definição cristã, é alguém geralmente mais velho do que o “protegido”, que oferece exemplo, estreita supervisão em projetos especiais, ajuda individualizada em muitas áreas – disciplina, encorajamento, correção, confronto  e requer prestação de contas”) ou orientá-las em momentos de crises e sofrimento.

       Segundo os dicionários da língua portuguesa, a palavra “crise” (do grego krísis= julgamento, escolhas) significa fase difícil na evolução de um processo ou situação; momento decisivo; uma alteração repentina no curso de algo; apuro; dificuldade; conflito; tensão, etc. Trata-se de um momento perigoso, porém de ruptura e de oportunidade para o crescimento, superação e solução dos problemas.

       Existem, pelo menos, três tipos de crises que o ser humano pode enfrentar: Crise de desenvolvimento, Crise circunstancial e Crise existencial.

1 – Crise de Desenvolvimento

       A crise de desenvolvimento ocorre durante o processo evolutivo do ser humano. Durante algumas fases da vida, um conjunto de modificações internas e ambientais combina-se e forma um período de crise. As fases mais comuns são:

  • Na adolescência, período em que ocorre uma dificuldade de autoaceitação, proveniente das transformações psicofísicas que acontecem nesse período da vida;
  • Na meia-idade, em que o indivíduo passa dos 40 anos e sente-se aquém daquilo que ele gostaria de ter alcançado durante os anos anteriores da sua vida;
  • Na velhice, em que a pessoa deixa de encarar a vida em termos do tempo em que ela nasceu, passando a preocupar-se com o tempo que lhe resta para viver. Esse, provavelmente, é o estágio mais doloroso da vida do ser humano. Com o envelhecer, a pessoa enfrenta diversos problemas, como doenças, viuvez, mudanças no comportamento sexual, solidão, etc., o que muitas vezes resulta em crise.

Veja o exemplo de Jacó, na sua velhice, quando declara a Faraó a sua idade:

Gn 47:9

[…]Os dias dos anos das minhas peregrinações são cento e trinta anos, poucos e maus foram os dias dos anos da minha vida, e não chegaram aos dias dos anos da vida de meus pais nos dias das suas peregrinações.

2 – Crise Circunstancial

       A crise circunstancial ocorre numa situação de impacto na vida do ser humano. São pouco previsíveis e afetam-nos fortemente, deixando-nos muitas vezes inseguros e sem saber o que fazer.

       Por exemplo:

a)Uma perda significativa – morte de um parente próximo ou amigo, a perda do emprego, etc.

b)Uma desilusão – rompimento de namoro, separação, divórcio, infidelidade conjugal, doença, etc.

c)Um fracasso – queda espiritual, frustração, insucesso, etc.

       Veja como o rei Davi reagiu diante da morte do seu filho Absalão:

2º Sm 18:33

Então o rei se perturbou, e subiu à sala que estava por cima da porta, e chorou; e andando, dizia assim: Meu filho Absalão, meu filho, meu filho, Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!.

3 – Crise Existencial

       A expressão “crise existencial” está ligada ao Existencialismo – doutrina filosófica que surgiu em meados do século XIX e alcançou seu auge nas décadas de 1940 a 1950, tendo como principal representante o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980).

       Este movimento filosófico teve influência da religião, uma vez que filósofos existencialistas importantes como Pascal e Kierkegaard eram cristãos, embora a ideia predominante do Existencialismo seja a de que a existência precede a essência. O homem é livre, e não há nem mesmo um plano divino que determine o que deva acontecer. O homem é criador do seu próprio destino, tem liberdade responsável de fazer escolhas, construir sua própria existência e ainda dar algum sentido à vida, já que, a priori, a vida humana, em si mesma, não tem sentido. E como uma vida sem significado é uma vida vazia, cabe ao homem moldar a imagem de si mesmo, norteado por valores profundos e inegociáveis. Ele deve escolher sempre o bem – aquilo que é bom para si e para todos – e nunca escolher o mal.

       O ser humano está em constante evolução, sendo inerente à condição do homem sua situação autêntica de angústia, desamparo, desespero. Ele está em estado constante de superação de si mesmo, sendo necessário lidar com todas essas condições de ser “um ser no mundo”. E mesmo que alguns busquem em Deus as respostas para todas as questões da existência humana, a vida e a condição do ser humano no mundo continuam inalteradas. Isso porque, segundo os existencialistas, não existe outro universo a não ser o universo da subjetividade humana. E não existe outro legislador a não ser o próprio homem, que é o único responsável pelo que faz de si mesmo.

       Ao usarmos a expressão crise existencial, não significa que concordamos com as idéias existencialistas de Sartre ou Kierkegaard. Apenas usamos uma nomenclatura conhecida para definir o estado emocional em que o ser humano vê a própria vida sem sentido ou significado.

       Não há harmonia entre o cristianismo e o existencialismo. Este tem sua base no ateísmo e encontra seu fundamento e sua consistência no fato de que o homem só é realmente livre quando contesta Deus e recusa a alienação religiosa.

3.1 – O que significa crise existencial

       A crise existencial está diretamente relacionada com a existência do indivíduo. Possivelmente, é a pior crise que o ser humano pode enfrentar. O agente casual das crises de desenvolvimento e circunstancial está na soma das modificações internas e ambientais do indivíduo, que se combinam, conduzindo-o a uma crise.

       Porém, a crise existencial – angústia existencial – é algo puramente espiritual, que está relacionada basicamente com a consciência de “estar-no-mundo”, de “existir no tempo”, de “ser-para-a-morte”; algo exclusivo do ser humano.

3.2 – Sintomas da crise existencial

       Embora a crise existencial possa manifestar-se devido a impactos emocionais mais sérios, como a perda de um ente querido, um amigo, a perda  de um emprego ou em situação de grande perda financeira, ela geralmente se inicia com a perda do significado da vida. De repente, todas as coisas que eram significativas para o indivíduo, como família, trabalho, lazer, amigos, crenças, etc., perdem o valor, e uma insatisfação profunda passa a predominar na sua vida. A apatia (“Estado caracterizado pelo desinteresse geral, pela indiferença ou insensibilidade aos acontecimentos; falta de interesse ou de desejos”. A apatia clínica é considerada depressão no nível mais moderado e diagnosticado como transtorno dissociativo de identidade no nível extremo) é um dos sintomas que vem logo em seguida. Subitamente, o indivíduo é tomado por uma terrível insensibilidade, perda de entusiasmo e indiferença a tudo e a todos. Em geral, a pessoa deixa de cuidar de sua aparência pessoal e relaxa no uso de roupas, calçados, penteados, banhos, etc.

      Uma sensação de vazio apodera-se da mente e do coração do indivíduo. A pessoa passa a ser assaltada por um sentimento de tristeza profunda, seguido, muitas vezes, de fortes crises de choro. A grande tendência nesse momento é o indivíduo isolar-se, preferindo, na maioria das vezes, trancar-se num quarto e ficar deitado a maior parte do tempo.

      Outro sentimento dominante é a autocomiseração ou a autopiedade. O indivíduo em geral, sente dó de si mesmo. Acha que está sendo injustiçado e que não merece passar por tudo isso.

       A pessoa que está em crise pode deixar-se dominar pela ira, tornando-se até agressiva. Essa agressividade é direcionada, principalmente,às pessoas mais próximas, como familiares e amigos. Também emerge um sentimento de revolta contra Deus e a igreja. Um forte sentimento de culpa  passa a afligir a pessoa, principalmente nos poucos momentos de sanidade, ou melhor, de consciência do seu problema.

       Como resultado da culpa, surge um desejo profundo de morrer. Culpa é sinônimo de punição; logo, “se sou culpado, mereço ser punido, mereço a morte”. Em casos extremados, o indivíduo pensa na morte em todos os momentos, dando espaço a ideias suicidas. Algumas vezes, essas ideias são disfarçadas em expressões como: “Eu gostaria que Deus me levasse!”, “Eu gostaria de sumir!”, “Não aguento mais essa vida!”. Em outras ocasiões, são declaradas, passando de ideias para tentativas.

       Quando a pessoa chega a esse estágio, ela tende a entrar em depressão, que é acompanhada de um sentimento profundo de tristeza sem causa aparente; um sentimento que toma conta da pessoa, extrapolando os limites da sua consciência. Em geral, ela vem acompanhada de alguns sintomas como:

  • Anedonia – perda da sensação de prazer nos atos que costumam ser gratificantes.
  • Dificuldade de Concentração – habilidade frequentemente diminuída para pensar e concentrar-se.
  • Anorexia – perda do apetite e da noção de sua imagem corporal. Mesmo estando muito magra, a pessoa pensa que está gorda e que precisa parar de comer ou então forçar a eliminação dos alimentos ingeridos para emagrecer.
  • Bulimia – apetite insaciável; a pessoa tende a ingerir grande quantidade de alimentos, porém sente culpa e medo de engordar. Por isso, utiliza métodos purgativos (laxantes, diuréticos) para eliminar as calorias.
  • Compulsão alimentar – apetite insaciável; ingestão exagerada e descontrolada de alimentos em pouco tempo. A pessoa com esse transtorno alimentar sente culpa, vergonha, raiva de si mesma, além de uma grande sensação de falta de controle. Entretanto, diferentemente de quem tem Bulimia, ela tem dificuldade de perder peso e não usa métodos purgativos para eliminação dos alimentos ingeridos.
  • Insônia – perda de sono; dificuldade de iniciar e manter o sono.
  • Hipersonia – sonolência excessiva.

       Uma pessoa em crise existencial dificilmente conseguirá, por si só, sair do estado de apatia em que se encontra mergulhada. Ela precisará de ajuda para encontrar a causa de seu sofrimento e, então, buscar uma mudança de vida e superação.

  • A crise existencial – afeta principalmente as pessoas que vivem longe de Deus, uma vez que o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, não foi feito para viver de maneira independente, distanciado de seu Criador – o Deus Eterno – mas, sim, para adorá-lo.

       Ao criar o homem, Deus implantou dentro dele o senso de adoração. Na realidade atual pluralista, relativista, hedonista, imediatista, narcisista, onde a estética substitui a pureza, o relativismo moral é o que predomina; não existe verdade absoluta; cada um escolhe a religião que deseja e que entende como, não só verdade (para si), mas também como o certo (para si). Na pós-modernidade, os homens deixam Deus de lado e buscam fazer o que querem e o que bem entendem.

       Quando as pessoas distanciadas de Deus entram em conflito, sentem-se desamparadas, e um grande vazio invade seu interior. Isso ocorre porque somente em Deus e em sua Palavra é que encontramos respostas que satisfazem e aquietam a alma.

       Já o cristão que vive pela fé (Rm 1:17b), mesmo quando não tem suas orações respondidas de imediato em meio à crise, procura descansar em Deus e esperar nEle (Sl 37:7; 125:1), crendo que o Senhor não o desamparará e que logo virá em seu socorro, dando-lhe vitória.

    Não obstante, alguns, ao enfrentarem uma crise, fracassam na fé, e não recorrem a Deus, mas prefere abandoná-lo.

Bibliografia:

Psicologia Pastoral

Jamiel de Oliveira Lopes

CPAD

Deixe um comentário