Jerusalém, o Estado de Israel e o povo palestino

Considerando os recentes e graves acontecimentos internacionais relacionados ao Estado de Israel e ao povo palestino, e tendo em vista as reações de um grande número de cristãos evangélicos (incluindo líderes de reconhecida influência nacional) nos diversos meios de comunicação, faz-se importante uma breve reflexão sobre o assunto que leve em conta aspectos que não estão sendo mencionados nas mídias (para uma discussão mais abrangente, veja este artigo). Vale salientar que esta reflexão tem como intuito abrir um respeitoso intercâmbio de ideias e não de polemizar. 

As reações que mais têm chamado a atenção são as que apoiam de forma efusiva o posicionamento do presidente dos Estados Unidos em relação ao status da cidade de Jerusalém e colocam em xeque a existência ou o direito de existir do povo Árabe Palestino. 

Em primeiro lugar, temos que levar em consideração que se formos questionar o direito do Povo Palestino de existir dentro de um território estabelecido pela ONU, teríamos que questionar também vários outros “povos” e “países” que foram criados no período pós-guerra pelas potências colonialistas. E considerando que (na acepção moderna da palavra) por mais de dois mil anos Israel não foi um país, também poderíamos colocar em dúvida o direito de o moderno Estado de Israel existir, pois ele poderia ser visto simplesmente como uma invenção das potências ocidentais. 

Como seria o mundo hoje se cada povo que perdeu o controle sobre o seu território (ou foi quase que totalmente expulso) por um período de mais de dois mil anos fosse autorizado pela ONU a voltar para o seu território original? 

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Mas o questionamento sobre o direito ou não de Israel existir só faria sentido se nos baseássemos somente em questões históricas e de direito internacional, sem levar em consideração o posicionamento teológico de muitos cristãos no Brasil e ao redor do mundo. Obviamente não podemos excluir a questão teológica. E isso se deve principalmente ao fato de muitos evangélicos brasileiros relacionarem o atual momento político internacional às promessas bíblicas concernentes a Israel e a posicionamentos escatológicos.

Quando nós, evangélicos, falamos sobre Israel, dois dos posicionamentos mais conhecidos são o dispensacionalismo (que está muito relacionado ao sionismo) e a teologia da aliança. Aliás, vale à pena ressaltar que é possível ser sionista sem ser dispensacionalista, da mesma forma que é possível ser antisionista sem ser antisemita. Porém, não é possível ser dispensacionalista sem ser sionista. E não nos esqueçamos que o movimento sionista não é, nas suas origens, um movimento cristão e nem sequer religioso.

Os cristãos dispensacionalistas e/ou sionistas são os que mais defendem o direito de o moderno Estado de Israel existir dentro das fronteiras mencionadas na Bíblia (que, dependendo da interpretação que for dada às passagens que falam sobre o tema, englobariam partes ou todo o espaço geográfico que hoje é ocupado por Israel, Jordânia, Líbano, Síria e Egito). Dentro desta visão, Jerusalém é a capital indivisível de Israel. 

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Mas eu vejo nesse posicionamento alguns aspectos importantes que precisamos considerar. Mesmo se aceitássemos que a interpretação escatológica dispensacionalista é a interpretação correta, a grande maioria se esquece que esta escola teológica, conforme a proposta de seus fundadores, entende que Israel terá suas fronteiras bíblicas somente durante o Milênio, que (de acordo com essa linha teológica) é o período durante o qual Cristo estará reinando a partir de Jerusalém durante mil anos literais. Nós sabemos que isso não está acontecendo. Portanto, não há razão, mesmo quando olhamos através da lente hermenêutica dispensacionalista original, de achar que, biblicamente, Jerusalém precisa ser, neste momento, a capital exclusiva de Israel; tampouco que o Estado de Israel moderno precisa ter, nos dias atuais, as fronteiras bíblicas. 

>>> Árabes, Israel e os prejuízos do dispensacionalismo cristão <<<

Além disso, com frequência tenho a impressão de que, de uma perspectiva cristã, estamos perdendo o foco quando nossa preocupação principal é tentar definir se o povo palestino realmente foi ou é um país, ou até mesmo um povo. Quando fazemos isso perdemos de vista a importante questão da dignidade humana (um aspecto que é tratado na Bíblia com muita seriedade). Mesmo se aceitássemos que a Bíblia está afirmando que Israel tem o direito de ser um Estado que ocupe as fronteiras estabelecidas no Antigo Testamento, e que os árabes palestinos não têm o direito de ter o seu próprio Estado conforme definido pela ONU, ainda assim precisaríamos nos lembrar que Deus ORDENA ao povo de Israel, em vários lugares do Antigo Testamento, que trate o estrangeiro que vive no seu meio como a si mesmo. Porém, não é isso o que está acontecendo. Os árabes (cristãos e muçulmanos) sofrem bastante como resultado das decisões e ações israelenses (muitas vezes apoiadas por cristãos evangélicos —inclusive importantes líderes políticos), o que leva a uma serie de consequências humanitárias, além de dificultar o trabalho missionário em todo o mundo muçulmano. Um dos grandes problemas é que a teologia dispensacionalista original foi muito deturpada nas últimas décadas, e tem sido usada para defender atitudes que não condizem com os ensinamentos de Cristo. 

Em resumo, é claro que Israel tem o direito de existir. É claro que nós devemos amar os judeus e orar pela paz de Jerusalém. Mas, como cristãos, não devemos endossar nada que contrarie os ensinamentos do nosso Senhor. Portanto, não importa se somos defensores do dispensacionalismo, se somos sionistas ou ainda adeptos da teologia do pacto. Independentemente da nossa posição teológica e/ou política, não deveríamos, como verdadeiros discípulos do Príncipe da Paz, incentivar decisões que levem à guerra, morte, sofrimento e injustiça, seja para judeus ou árabes palestinos.

OPINIÃO

Por Marcos Amado

http://www.ultimato.com.br/conteudo/jerusalem-o-estado-de-israel-e-o-povo-palestino

Uma resposta para Jerusalém, o Estado de Israel e o povo palestino

  1. Caso Jerusalém: entenda o tamanho da onça que Trump cutucou
    Imagem de Jerusalém

    Trump decidiu reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Se a sede do governo israelense fica lá, qual é o problema, então?

    A resposta trespassa toda a história do conflito entre judeus e palestinos. Até maio de 1948, o território onde hoje ficam Israel e Palestina era uma colônia britânica – controlada pelo Reino Unido e habitada por judeus e árabes.

    Desde o século 19 ensaiava-se a transformação de uma parte da colônia num Estado judaico à imagem e semelhança das fronteiras delimitadas pelo Velho Testamento. A proposta acabou ficou em banho-maria, já que os árabes da região também queriam a independência, só que para formar um país árabe ali.

    Depois do Holocausto, a ideia de formar um Estado soberano para os judeus ganhou força. Em 1947, então, a ONU traçou um plano de partilha da colônia: os britânicos deveriam ir embora no ano seguinte, então um pedaço das terras vagas formaria Israel, e outra parte o Estado Palestino. Jerusalém, uma cidade sagrada para os dois grupos, não seria de ninguém. Ficaria sob “administração internacional” – habitado por judeus e palestinos, controlado pela ONU. Assim:

    Jerusalém sob administração internacional

    Jerusalém, na borda da Cisjordânia, terminou dividida no final de 1948 – metade para os israelenses (“Jerusalém Ocidental”), metade para a Jordânia, (“Jerusalém Oriental”). Israel, então, decretou que sua parte de Jerusalém era a capital do país. O resto do mundo, para evitar atrito com os árabes, preferiu se manter fiel à resolução da ONU, e não reconhecer a posse de país nenhum sobre Jerusalém, pelo menos enquanto não houvesse um acordo definitivo entre os árabes e israelenses.

    Em vez de acordo, porém, o que veio foi outro conflito: a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Israel venceu de novo. Tomou a Faixa de Gaza do Egito e tirou da Jordânia o controle sobre a faixa de Gaza e a outra metade de Jerusalém. Gaza e Cisjordânia não foram anexados oficialmente. Passariam a funcionar territórios semi-independentes, controlados pelas forças armadas de Israel e à espera da criação de um Estado palestino – o que nunca aconteceu. Jerusalém não: a cidade inteiro passou a fazer parte do Estado de Israel, e no papel de capital do país. A ONU e seus afiliados não concordaram: seguiram sem reconhecer a soberania israelense ali, pelo menos até que não houvesse um acordo definitivo com os árabes – o que nunca aconteceu.

    Mapa de Jerusalém respeitando as fronteiras delimitadas pela ONU

    Os países que têm relações diplomáticas com Israel sempre mantiveram suas embaixadas em outra cidade, Tel Aviv. É o caso do Brasil e, obviamente, dos EUA, mesmo com o país sendo o grande aliado histórico de Israel. Tão aliado que o congresso americano passou uma resolução, em 1995, dizendo que a embaixada americana deveria se mudar para Jerusalém. Todos os presidentes dos EUA desde então vetaram o projeto. Reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel era comprar briga com árabes de graça – e por um ato meramente simbólico, pois Israel já manda na cidade de um jeito ou de outro. Trump, porém, havia prometido para doadores de campanha pró-Israel que reconheceria Jerusalém. E cumpriu. A briga agora está comprada. E a esperança de uma solução para esse conflito de 70 anos, que já era pequena, agora diminui mais um tanto.

    https://www.msn.com/pt-br/noticias/mundo/caso-jerusal%C3%A9m-entenda-o-tamanho-da-on%C3%A7a-que-trump-cutucou

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