Um Brasil mais grisalho

Por Klênia Fassoni

Ninguém dá ao casal Roberto e Rita, 73 e 71 anos, a idade que têm. Aposentaram-se – eram professores – há vários anos. Ele, ex-cafeicultor, adaptou seu sítio para locações de eventos, de cujos detalhes ele cuida pessoalmente, bem como da manutenção das plantas e flores, que ocasionalmente doa para a ornamentação da igreja em que congrega. Ela integra a diretoria de uma entidade de ação social ligada à igreja e a representa no Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente. Têm quatro netos e ajudam a cuidar deles.

Nas visitas dominicais que um grupo faz há quatro anos a uma instituição particular de longa permanência é dada aos participantes a oportunidade de colocarem seus pedidos de oração. Em um domingo específico, senhor Raimundo, hóspede mais antigo, que não tem familiares, recém-operado para colocação de sonda enteral, com visível desconforto e mal humor, pede: “Que Deus me leve para o cemitério”. Senhor Francisco, depois de citar a frase: “Para Deus não há impossíveis”, pede oração para que o filho o leve de volta à sua casa. Celestina repete o pedido de sempre: “Que minha filha me visite e me leve daqui”. Dona Marlene, professora de matemática, nada expressa: em estágio adiantado de Alzheimer, já não fala e não anda. Dona Isabela e senhor Leonardo agradecem pela sua saúde. O grupo viu morrerem dez hóspedes desde que iniciou o programa de visitação.

Oficialmente, os sessenta anos dão entrada à Terceira Idade. Mas a idade cronológica é apenas um dos fatores determinantes do envelhecimento, o que é ilustrado pelas histórias acima e reforçado por estes dados: se, por um lado, quase 10% dos participantes da São Silvestre de 2017 tinham 60 anos ou mais, por outro lado, em dez anos, entre 2000 e 2010, a população acima de 60 anos, em São Paulo, que ganhou, em média, dois anos a mais de expectativa de vida, perdeu até três de vida saudável. A desigualdade social também é fator importante: a expectativa de vida para homens negros (63,2) em 2000 era de cinco anos a menos do que para os homens brancos (68,2).

Nas páginas a seguir você confere indicadores sobre a realidade dos idosos no Brasil. Se há algo que se repete nas análises sobre o envelhecimento é a consciência de que se trata de uma das mais significativas tendências do século 21 e de que é urgente fazer do mundo um lugar mais amigável para os idosos. Não é para menos. Até 2050, o número de idosos no mundo vai duplicar – serão 2 bilhões. A Organização Mundial de Saúde alerta: “Envelhecer bem deve ser uma prioridade global”. 

O assunto deve interessar a todas as idades. Todos nós convivemos com pessoas idosas ou caminhamos para o envelhecimento. Os que têm hoje 28 anos farão parte do boom de idosos daqui a 32 anos.

Pesquisa recente revelou que um em cada quatro idosos não vê desvantagem na própria idade e a maioria considera a “experiência” como a principal vantagem dessa faixa etária. Mas a maioria se queixa da falta de respeito. E nove em cada dez brasileiros acham que o preconceito com os mais velhos é forte no país.

Há iniciativas notáveis de igrejas e organizações cristãs. São histórias que devem ser contadas. Aqui apenas citamos algumas: Asas de Socorro acaba de lançar o Projeto IDE 50+, convocando voluntários com 50 anos ou mais para viagens missionárias na Amazônia. Missão Vida está construindo a Vila do Pastor Aposentado em Cocalzinho, GO, para acolher pastores e dar a eles oportunidades de continuar servindo. Há 35 anos a Igreja de Confissão Luterana promove anualmente um simpósio dirigido a dirigentes de institucionais diaconais voltadas aos idosos, que atualmente somam quinze organizações. A Sociedade São Vicente de Paulo, instituição católica de origem francesa, existe no Brasil desde 1872. Sua atuação foi reconhecida com o prêmio “Direitos Humanos – categoria idosos”, em 2013, pelo governo federal.

Igrejas também envelhecem. Muitas comunidades já são formadas por mais idosos do que crianças e jovens. E os que cercam a comunidade também envelhecem. Trata-se de uma oportunidade ímpar para as igrejas! Aqueles que levam a sério as Escrituras valorizam o idoso e o integram à comunidade de fé, amenizam sua solidão por meio de vínculos, atendem socialmente aos que neste grupo são vulneráveis, promovem a troca entre gerações, utilizam-se de seus dons e experiência, valorizam suas memórias, ajudam-nos a se preparar e a encarar a velhice. 

Essas comunidades honram as cabeças grisalhas, por saber que: “Uma vida longa é a recompensa das pessoas honestas; os seus cabelos brancos são uma coroa de glória” (Pv 16.31).

http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/370/um-brasil-mais-grisalho

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