Igreja na cidade – Muito além de boas intenções

O ministério urbano é um dos maiores desafios para missões. Diversos fatores contribuem para isso: a complexidade intrínseca dos contextos urbanos, com sua multiplicidade cultural, até a mobilidade de populações e temas controversos que encontram nas cidades a sua mais viva expressão.

Do contexto urbano emergem, com muita intensidade, questões difíceis e complexas de serem trabalhadas pelos missionários e pelas igrejas. A violência de todos os tipos e formas, o pluralismo, a desagregação familiar, as drogas e as diferentes perspectivas sobre a sexualidade estão entre essas questões. E todos os casos requerem uma resposta amorosa e coerente por parte da Igreja.

Em meio a essa conjuntura, é necessário fundamentarmos nossa ação missionária num paradigma que “dê conta” da realidade social. Nessa visão, não há como desvencilhar a arena social do agir redentor de Deus. Evangelismo e ação social são, portanto, dois aspectos indissociáveis da Sua ação redentora, constituindo responsabilidade da Igreja em sua práxis missionária. Como cristãos, somos incomodados pela situação de miséria, violência, desigualdade e falta de oportunidades que assolam as comunidades onde as próprias igrejas cristãs estão inseridas. Essa é uma situação que agride a santidade e o pleno desígnio de Deus para a Sua criação.

O desafio aumenta quando constatamos que não há mais lugar para “boas intenções”. É preciso saber fazer! A sociedade não espera mais uma prática apenas bem-intencionada da Igreja. Ela quer resultados. E muito mais do que isso: a excelência do Nosso Deus o exige.

Quando falamos de ministério na área social, alguns princípios fundamentais são requeridos da parte do missionário e da igreja para que possa alcançar resultados de transformação sustentáveis, sinalizando a chegada do Reino de Deus. Considere os seguintes aspectos:

Ação de serviço incondicional

O resultado da ação da igreja na sociedade deve ser revertido em transformação e justiça social, não necessariamente em adesão à fé, embora geralmente essa seja uma consequência do serviço amoroso da igreja. A renúncia a toda forma de proselitismo religioso (condicionamento da ajuda ou manipulação dela para a adesão à fé) é condição para que a transformação de fato aconteça.

Ajuda com sabedoria

O discernimento do contexto e da realidade social, mediante oração e pesquisa, é fundamental para definir as estratégias de intervenção. Há uma diferença qualitativa e de natureza entre ações emergenciais, de reabilitação, de desenvolvimento e de Advocacy(incidência em políticas públicas e defesa de direitos). Todas são legítimas e estão intrinsecamente relacionadas, mas têm processos e princípios de ação diferenciados. Discernir o momento e a forma de atuar é muito importante para não gerar problemas, como paternalismo, assistencialismo, dependência, acomodação e manipulação.

Cuidado com os “perigos” e as tentações dos ministérios de ajuda

Misericórdia não santificada, amor ao sofrimento, obras mortas, secularização, humanismo estéril, tecnicismo sem vida, ideologização da fé, estes e outros são alguns desses “perigos”. Fuja da ação autocentrada e normativa: a tentação de já chegar com as respostas prontas, dizendo à comunidade o que ela precisa, sem ouvi-la na essência e sem priorizar os relacionamentos de amor e confiança que constituirão as bases para uma ação transformadora.

Gostaria de me deter um pouco mais nessa última questão, pois me parece ser um problema quando atuamos como igreja na realidade social. Muitas das nossas ações, embora bem-intencionadas, não refletem de fato os reais anseios e as necessidades da comunidade, mas se baseiam em percepções da própria igreja, que transfere para a comunidade o enfoque normativo que vem dos púlpitos. O resultado disso são programas com baixa adesão comunitária e pouca efetividade.

Metodologia e diagnóstico

O Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral (Cadi) desenvolveu uma metodologia para a realização de diagnósticos comunitários. Esse método busca fazer uma análise e um dimensionamento das principais necessidades socioeconômicas de determinado território, mapeando o seu capital social e as suas potencialidades.

A metodologia promove uma combinação de dados primários (adquiridos no contato direto com a comunidade) e secundários (adquiridos em fontes de pesquisa) e faz pesquisas qualitativa (rodas de conversa, grupos de foco, entrevistas) e quantitativa (aplicação de questionários estruturados em diferentes grupos, incluindo nos domicílios). Por meio dos resultados obtidos, busca-se a promoção e o fortalecimento da participação comunitária no planejamento das ações. A partir da análise dos dados coletados, são recomendadas ações de intervenção social para otimizar o impacto do projeto com base no conhecimento adquirido no diagnóstico.

Mas, independentemente da metodologia utilizada, cada igreja ou cada missionário deve usar a sabedoria, o discernimento e ações simples para buscar a compreensão dos problemas e identificar as potencialidades do grupo ou da comunidade. Esse grupo de trabalho tem a intenção de servir, penetrando no coração da comunidade por meio de uma escuta na essência. A partir daí, as pessoas utilizam os dons, talentos e recursos disponibilizados por Deus para envolver as pessoas na jornada em busca da sua plenitude. Isso não é uma opção para a Igreja, mas um mandamento. É uma tarefa de todos nós!

MAURÍCIO CUNHA

Fundador e presidente do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral – CADI, uma coalizão de doze organizações cristãs de referência em ações transformadoras, atuando na proteção à infância, à adolescência, e à família. Maurício também é coautor do livro “O Reino entre nós – transformação de comunidades pelo Evangelho integral” publicado pela Editora Ultimato.

http://portal.povoselinguas.com.br/artigos/missoes-urbanas/igreja-na-cidade-muito-alem-de-boas-intencoes/

No livro do Apocalipse, João tem a visão de um trono e um Rei entronizado. Essa visão constitui o centro da revelação. Ao redor do trono ele vê 24 anciãos. Não são jovens audaciosos, mas idosos que carregam a memória da história. Numa cultura pragmática e tecnológica, é comum ignorar os “anciãos” e perder a memória que nos dá a identidade de povo de Deus. O trono reúne em torno de si aqueles que têm sido guiados por Deus através dos séculos. É uma visão bem apropriada para os nossos dias porque os anciãos preservam a história – são aqueles que sonham – e os jovens são alimentados pela visão do que Deus está fazendo e fará. Isso nos ajuda a discernir a época em que vivemos e como podemos seguir a Cristo sem perder a identidade e a vocação. Os anciãos abrem as portas para os mais novos e estes seguem as pegadas dos que já caminharam e chegaram ao seu destino.

O povo de Deus é enviado para o mundo, participa da dinâmica social e cultural de suas cidades, usa os recursos que a ciência e a tecnologia disponibilizam e procura usar tudo o que é lícito para promover o evangelho de Jesus e a glória de Deus. Porém, embora a igreja faça parte da dinâmica social e cultural de sua cidade, sabemos que é a presença de Cristo, pelo poder do Espírito Santo e da Palavra, que dá identidade à igreja. Ela é estabelecida pela revelação de Jesus Cristo e sustentada por ele. Diante das transformações rápidas e fluidas da civilização, a boa nova para a igreja é que “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13.8). Ele é a pedra angular, o princípio e o fim, o alfa e o ômega. Tudo o que a igreja é e será repousa nele, ele é antes de todas as coisas e nele tudo subsiste. A segurança e a liberdade que temos para estar no mundo e atuar no contexto de nossas cidades e culturas, usando os recursos de que dispomos para proclamar o evangelho de Cristo, é a certeza de que estamos ancorados naquele que permanece sendo o mesmo ontem, hoje e eternamente.

• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de, entre outros, A Espiritualidade, o Evangelho e a IgrejaPensamentos Transformados, Emoções Redimidas e O Caminho do Coração.

https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/379/o-mesmo-hoje-o-mesmo-sempre

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