O escândalo da graça

       Exatamente pelo fato de que a graça de Deus ser um escândalo é que existe tanta dificuldade em compreendê-la de forma plena. Alguns usando os argumentos da liberdade fazem dela um salvo-conduto para pecar; outros caem no legalismo e anulam o efeito da graça, tornando ineficaz a obra de Cristo. Certamente, uma das formas de compreender é perceber o conceito da graça de Deus presente na Parábola dos Vinhateiros. Ali não há méritos por tempo de serviço ou produtividade; a mesma recompensa dos que começaram no inicio do dia, mesmo que o senhor tenha sido injusto aos olhos dos trabalhadores. É essa aparente injustiça sob a ótica humana que caracteriza a graça de Deus.

       A justiça divina, se comparada com a humana, é imensamente  perdoadora; por isso, a graça torna-se injusta sob a ótica humana, pois é imerecida e incoerente. Por esse motivo, Paulo classificou-a como escandalosa (1ªCo 1:23; Gl 5:11).

       Antropologicamente, o ser humano tem a necessidade de expiar sua culpa, conforme descrito no primeiro capítulo deste livro. Dentro dele, há um grito na alma que faz anelar por um preço que precisa ser pago. Por isso, muitos crentes não entendem a graça de Deus e acham que precisam ter méritos diante dEle, pagando um preço pela sua salvação. E assim, são inventados os esquemas humanos (legalismos, critérios, ordenanças, doutrinas, etc.) para tentar “acalmar” a ira de Deus sobre o homem, criando-se situações meritórias; entretanto, tudo já foi pago por Cristo, os méritos são dEle, e não do homem com seus esforços. Não podemos viver sem caminho de relacionamento com Deus e com o próximo; entretanto, estamos cônscios de que o que nos salva é a graça de Deus somente, presenteada a nós através da morte de Cristo na cruz do Calvário.

       Isso não significa que, confiando na graça de Deus para a salvação, não se precisa mais fazer nada após a salvação. Deve-se, sim, continuar lutando para construir uma vida de santificação, renunciando tudo aquilo que nos afasta de Deus. O que muda é que, a partir da ótica da graça, não se faz mais nada para ser salvo, mas faz-se em gratidão a tudo o que Cristo já fez. O desejo de santificação e renúncia a tudo o que nos afasta de Cristo não parte de um coração que quer entrar no céu por méritos próprios, pois tão somente o sacrifício de Cristo garante: a salvação. Por outro lado, não se consegue viver na graça e continuar satisfazendo os desejos impuros do velho homem. A diferença é que tudo o que se faz agora é motivado por um sentimento de gratidão e pertença, e não de troca e barganha.

       Compreender a graça e não ter consciência de que a nova vida com Cristo significa separação do mundo pecaminoso e dedicação exclusiva a Deus é um forte indício de que ainda não se compreendeu o que é viver graça de Deus. Viver essa graça produz em nós a satisfação plena em Deus; logo, todas as outras fontes de prazer ferem ao invés de satisfazerem . Eis um indício de estarmos compreendendo a graça de Deus: viver a graça no isenta de pecar, mas o pecado que antes trazia prazer causa agora dor e arrependimento genuíno.

       Pelo fato de a graça ser algo que depende exclusivamente de Deus sem merecimento por parte do recebedor (Ef 2:8), Paulo enfatiza a impossibilidade de estar sob a graça e a Lei ao mesmo tempo, no sentido de obter a salvação por uma ou por outra, pois nesse sentido, ambas são excludentes. Portanto, ou o indivíduo é salvo pela Lei, o que é impossível, ou ele depende inteiramente da graça de Deus, pois por “obras da lei nenhuma carne será justificada” (Gl 2:16; At 15:11).

       A graça é algo ao qual é impossível o seu recebedor retribuir. A única coisa que lhe cabe é agradecer, pois qualquer gesto de retribuição tirar-lhe-ia a qualidade de favor imerecido, tornando-se, um mérito. Como no relacionamento com Deus não existem méritos, pois somente Cristo tem méritos, é um ato de afronta contra o doador querer retribuí-lo; entretanto, até mesmo tal afronta é coberta pela graça.

       Os que compreendem a graça devem desenvolver a incrível capacidade de simplesmente se deixarem presentear por Deus. Somente esses são justificados porque aceitam ser aceitos, “a despeito de ser inaceitável”, e assim se permitem embalar nos braços do amor e do perdão. Para os filhos de Deus, cônscios da graça do Pai, tudo é presente, é dádiva. Não há reivindicações, nem presunção de méritos, mas somente gratidão e ação de graças, pois a graça de Deus aceita o inaceitável.

       Quando o cristão entende a graça de Deus, ele necessariamente vai expressar essa mesma graça no relacionamento com outros cristãos, ou seja, o recebimento da graça resultará em atos graciosos e cheios de beleza por parte do recebedor. Isso, entretanto, não é feito por mérito; é simplesmente a reação graciosa de gratidão para com a graça recebida, mas vai além disso; ela é expressada como “presente para a comunidade, um benefício para o bem comum. Logo, podemos afirmar que cristãos que não reagem assim à graça provavelmente não a compreenderam ainda.

      Falar de graça implica um binômio presente na sanidade espiritual, que consiste em ela (a graça) operar em conjunto com a gratidão A reação normal a qualquer oferta de graça é agir com gratidão. A graça é o princípio central de nossa Teologia, e a gratidão é o princípio central de nossa ética. O crente precisa conhecer “três verdades básicas: quão grande é o nosso pecado, quão grande é a graça de Deus que nos redimiu e quão grande deve  ser a nossa gratidão a Deus por sua graça.” Exercitar a gratidão diante de grandes ou pequenos gestos da graça de Deus demonstra um coração que avançou em sua caminhada espiritual e reconheceu a grandeza da superabundante graça oferecida  na cruz. Mostrar gratidão mesmo quando o coração estiver cheio de lamúrias, mágoas e ressentimentos é uma escolha que fazemos; posso optar por falar de bondade e beleza, mesmo quando, interiormente, ainda procuro alguém para acusar ou achar algo feio.

A Obra da Salvação – Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida – Livro de Apoio das Lições Bíblicas do 4ºT 2017 Adulto CPAD

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