O cristianismo europeu: uma história de luzes e sombras

Alderi Souza de Matos

O cristianismo surgiu na Palestina, ou seja, na Ásia ocidental, mas foi na Europa que ele mais se expandiu nos séculos seguintes. Sem dúvida, por muito tempo houve uma forte presença cristã no Oriente Médio, no norte da África, na região do Cáucaso e em outros locais, mas a expansão islâmica e uma série de circunstâncias políticas, demográficas e sociais fizeram com que o continente mais intensamente cristianizado fosse a Europa. Essa situação perdurou até o século 19, quando, graças ao esforço missionário, a fé cristã foi levada a todas as regiões do globo. Assim, durante a maior parte de sua história, o cristianismo foi identificado, para o bem e para o mal, principalmente como uma religião europeia. O objetivo desta análise é apresentar inicialmente alguns aspectos negativos e em seguida algumas contribuições positivas dessa longa trajetória cristã em solo europeu.

Um legado doloroso

Um dos fenômenos negativos associados à igreja cristã desde o período antigo foi o espectro da intolerância. Isso não estava presente na mensagem de Jesus, cujos ensinos se centraram no amor, no altruísmo e no perdão até mesmo aos inimigos. Porém, a partir do quarto século, com a aliança entre igreja e estado na época do imperador Constantino, surgiu o uso da força e da coerção contra os dissidentes do cristianismo majoritário, oficial. Os primeiros indivíduos a serem executados como hereges na história da igreja foram o espanhol Prisciliano, bispo de Ávila, e seis de seus simpatizantes, em 385. Outro caso conhecido no período antigo — esse de proporções mais amplas — foi a repressão estatal contra os donatistas do norte da África, no início do quinto século.

Durante a Idade Média, intensificaram-se as perseguições da igreja e do estado contra indivíduos e grupos considerados heterodoxos. A partir do século 12, o crescimento da seita dos cátaros ou albigenses no sul da França levou diversos papas a aperfeiçoarem os métodos de supressão da heresia. Na década de 1230, Gregório IX criou um tribunal especial para tratar desses casos — a inquisição. As confissões, que podiam ser obtidas mediante tortura, com frequência resultavam em condenação à pena capital, que era aplicada pelas autoridades civis. Entre as vítimas estavam pessoas acusadas de bruxaria (principalmente mulheres) e judeus condenados por conversão insincera à fé cristã. Em 1478, Sixto IV autorizou a temida Inquisição Espanhola. Com o surgimento da Reforma, muitos grupos protestantes sofreram intolerância e alguns deles também perseguiram os seus próprios hereges.

Outro legado triste associado à história cristã europeia, e que se estendeu até o período moderno, foram as guerras empreendidas por cristãos dentro e fora daquele continente. O exemplo mais conhecido destas foram as Cruzadas, uma série de campanhas militares nos séculos 12 e 13 destinadas a libertar a Palestina das mãos dos muçulmanos. No período da pós-Reforma, ocorreu a devastadora Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que, embora tenha tido diferentes motivações, também teve um componente religioso. Esse conflito foi um dos fatores que levaram ao surgimento do Iluminismo, no século 18, com sua postura secularizante e sua crítica à religião e aos dogmas.

Contribuições duradouras

Felizmente, a longa história cristã na Europa também teve aspectos construtivos de grande valor. Uma instituição relevante em muitos sentidos foi o monasticismo. Já no período antigo, mas principalmente na Idade Média, os mosteiros, que se multiplicaram às centenas em muitos países, realizaram um notável trabalho nas áreas de missões, beneficência e preservação da cultura. Em uma época em que as estruturas estatais eram ineficientes e a insegurança generalizada, os monges assistiram às populações afligidas por guerras, epidemias e catástrofes naturais. Em suas bibliotecas e salas de escrita, os mosteiros não só preservaram as Escrituras, mas boa parte da cultura literária da antiguidade.

Um dos capítulos mais nobres da história do cristianismo europeu foi o esforço missionário que progressivamente implantou a fé cristã em todo aquele continente. Enfrentando enormes obstáculos, e muitas vezes a própria morte, os pregadores, principalmente monges católicos e ortodoxos, evangelizaram as tribos bárbaras que deram origem às modernas nações europeias. Com o evangelho, levaram-lhes também cultura e civilização, criando o alfabeto e dando-lhes uma língua escrita, bem como uma grande variedade de instituições políticas e sociais. Mais tarde, missionários europeus levaram esses benefícios e outros a povos de todos os continentes.

É importante lembrar que, até o final do século 19, o cristianismo foi a influência intelectual predominante na vida e na cultura da Europa e do Ocidente. Foi em círculos cristãos que surgiram as primeiras universidades a partir do século 12 e desde então foram extraordinárias as contribuições cristãs à educação. Foi no âmbito do cristianismo que surgiu a ciência moderna e muitos cientistas foram e são indivíduos de fortes convicções cristãs. A própria fé cristã, com sua visão integrada do mundo e da natureza, de um universo regido por leis fixas, fruto da criação divina, foi um poderoso estímulo para o surgimento da ciência nos moldes atuais.

Em conclusão, a história demonstra que, ao se afastar de seus princípios e valores fundamentais, a cristandade europeia fez muitas coisas que os cristãos de hoje lamentam profundamente. Por outro lado, sem as contribuições positivas e construtivas dadas pelo cristianismo naquilo que ele tem de melhor, a Europa e o mundo seriam muito diferentes — para pior — do que são nos dias atuais.

Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil. asdm@mackenzie.com.br

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