Precursores da Reforma Protestante

Há 500 anos, precisamente em 1517, surgiu em várias partes da Europa, sobretudo, na região mais ao norte um movimento de contestação à Igreja Católica que os historiadores chamam de Reforma Protestante. Este movimento surgiu com o caráter inicial de buscar a reforma da Igreja, diante de uma série de erros e abusos que aconteciam, sobretudo, no episcopado e no alto clero.

O grande problema é que o movimento que foi encabeçado pelo frei agostiniano Martinho Lutero passou a ser explorado politicamente pelos reis e príncipes que desejavam se ver livres da influência da Igreja, se desvirtuando completamente. Como a Igreja Católica era uma instituição de caráter universal, os Estados Modernos que se fortaleciam não aceitavam mais um poder concorrente vindo de fora.

Este movimento que tem em Martinho Lutero, em Calvino e em Zuinglio seus principais expoentes não surgiu de repente, mas foi fruto de um processo que já vinha acontecendo. Pena que a Igreja enquanto instituição não percebeu a ameaça ou não deu a importância devida para o movimento reformista.

Martinho Lutero é o principal nome associado à Reforma Protestante do século XVI. Entretanto, partes consideráveis de suas ideias reformadoras vieram da inspiração de outros homens que haviam criticado a Igreja católica décadas antes do frade alemão.

Nomes que se confundem aos pré-reformadores

Apesar de diversos nomes serem sugeridos como tendo sido pré-reformadores, nem todos eles devem ser considerados de fato alguém que encabeçou um movimento de pré-reforma, isso porque apesar de terem, de alguma forma, questionado os rumos da Igreja e do Cristianismo na Idade Média, seus conceitos eram um tanto quanto distantes do que foi realmente apresentado durante a Reforma.

Um exemplo disto é o caso do frade dominicano Jerônimo Savonarola (c. 1452-1498), de Florença na Itália. Muitas vezes ele é indicado como tendo sido um pré-reformador, mas quando suas obras e atuações são analisadas à luz do que realmente aconteceu após 1517, percebe-se que ele só pode ser considerado um pré-reformador se for simplesmente no aspecto moral e sociopolítico.

Ele se levantou contra a imoralidade tanto na sociedade como na Igreja, mas no campo teológico e doutrinário, Jerônimo Savonarola não pode ser considerado um pré-reformador com conceitos semelhantes aos adotados pelos reformadores, visto que sua grande ênfase era em uma reforma moral, e não doutrinária. Mesmo que seu foco não tenha sido o teológico, Savonarola foi condenado como herege e acabou enforcado.

Semelhantemente ao caso de Savonarola, vários outros movimentos anteriores podem ser pontuados, como por exemplo, o movimento dissidente liderado por Pedro Valdes, de Lião, que ficou conhecido como “Os Valdenses”, cujos seguidores mais tarde de fato abraçaram a Reforma Protestante.

Também tiveram outros movimentos que simplesmente focaram na vida devocional, sem romper com a Igreja ou criticar seus dogmas. Dentro desses movimentos surgiram nomes conhecidos como Johann Tauler, Meister Eckhart e Nicolau de Cusa.

Também um pouco antes da Reforma surgiram os chamados humanistas bíblicos, que eram pessoas que demonstraram grande interesse no estudo das Escrituras nos idiomas originais, produzindo obras que foram muito importantes na erudição bíblica do período da Reforma.

O nome mais proeminente desse grupo é o de Erasmo de Roterdã, que publicou uma versão grega do Novo Testamento com criticas à tradução latina da Vulgata.

Os pré-reformadores

Dois nomes são reconhecidos como tendo sido verdadeiros pré-reformadores que exerceram grande influência nos reformadores do século 16: John Wycliffe (c. 1325-1384) e John Huss (c. 1372-1415).

John Wyclif

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Na Inglaterra, no final do século XIV, o padre e teólogo John Wycliff apresentou uma série de críticas às doutrinas católicas que iriam inspirar Martinho Lutero mais de um século depois. Dentre elas estavam a afirmação de que a salvação era conseguida através da fé em Deus, bem como o posicionamento contrário à venda de indulgências bastante praticada na época.

Seguindo esse posicionamento, John Wycliff se colocou também contra a doutrina católica que afirmava que com a realização de “boas obras” (como doações à igreja) se poderia conseguir a salvação eterna. Essas posturas influenciaram diretamente Martinho Lutero na elaboração de suas 95 Teses afixadas mais tarde na porta da igreja de Wittenberg.

João Huss

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Ele também foi outra importante fonte de inspiração para Lutero. Jan (João) Huss defendia, assim como Wyclif antes dele e Lutero posteriormente, a autoridade das Sagradas Escrituras sobre a tradição da Igreja Católica e sobre a palavra do papa que era a palavra do magistério da Igreja. Esse posicionamento afrontava o poder do papa e abria caminho para que os fiéis pudessem ler e interpretar a bíblia conforme sua própria inspiração.

As consequências disso no plano temporal foram a ampliação da alfabetização para um número maior de pessoas, pois anteriormente apenas os membros do clero sabiam ler a bíblia e expressar a interpretação dos textos sagrados aos fiéis.

Outro ponto comum aos três reformadores foi a crítica à riqueza e ao luxo ostentados por membros da Igreja católica. Para os três reformadores, a Igreja deveria seguir aquele que teria sido um dos primeiros ensinamentos de Cristo, mantendo uma Igreja pobre, preocupada com os negócios da fé e não com o acúmulo material.

Fermentação de ideias e contestação

O posicionamento desses três reformadores serviu para embalar alguns conflitos sociais que cresciam no meio dos camponeses entre o século XIV e XVI. As questões religiosas no período passaram a tomar uma conformação de crítica prática, por parte do campesinato, ao poderio econômico, político e militar detido pela aristocracia.

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A intensificação das obrigações servis, ampliando a exploração dos camponeses, levou à eclosão das Revoltas sociais entre o fim da Idade Média e início da Idade Moderna.

A diferença é que Martinho Lutero se colocou contra as rebeliões, condenando as ações camponesas, ao passo que John Wycliff e Jan Huss as apoiaram e/ou as influenciaram.

Por fim, é necessário frisar que nesse período histórico, entre o fim da Idade Média e início da Idade Moderna, as divergências religiosas tomaram um caráter de conflito social pelo fato de o poder religioso constituir a base do poder econômico. E a Igreja estava aliada com a aristocracia que era a classe dominante da sociedade

Sendo a Igreja católica a maior proprietária de terras da Europa, bem como a posição social da aristocracia ser fundamentada por uma suposta vontade divina, as lutas dos camponeses e demais classes populares contra a exploração acabava atingindo os conceitos religiosos que justificavam ideologicamente a situação social. Esses conflitos levariam à diminuição da influência da Igreja Católica, com o início de um novo período histórico marcado pela força dos capitalistas.

Para John Wycliff a Igreja deveria retornar à simplicidade de suas origens, renunciando ao luxo e à riqueza. Ele ainda pensava que qualquer pessoa fosse capaz de compreender a Palavra de Deus por conta própria, sem a necessidade de intermediários, desde que dispusesse de meios para conhecer a Palavra. Por causa disso, Wyclif traduziu os evangelhos para a língua inglesa quando a língua oficial era o latim.

A Igreja católica entendia que apenas através de seus ensinamentos e de seus preceitos morais o fiel poderia chegar à Deus. Wycliff (que morreu em 1384) foi postumamente declarado herege pelo Concílio de Constança e teve seu corpo exumado e queimado em 1428.

Na região da Boêmia (atual República Tcheca) Jan Huss, baseado nas ideias de Wycliff, entrou em choque com a Igreja, também sendo considerado herege em Constança. Ele também foi queimado na fogueira em 1415; sua morte deu origem a uma guerra entre seus seguidores chamados Hussitas, e a Igreja, resultando em uma cruzada contra os Hussitas, assim como no passado já havia acontecido uma cruzada contra os albigenses.

Mais algumas informações destes homens que se confundem aos pré-reformadores

Savanarola (1452-1498)

Wycliffe e Huss foram estigmatizados como hereges que colocaram a Bíblia como o primeiro padrão de autoridade; Savanorola, porém, estava, mais interessado na reforma da igreja em Florença. Depois de se fazer monge dominicano em 1474, foi designado para Florença alguns anos depois. Ele procurou reformar o Estado e a igreja na cidade, mas sua pregação contra a vida desregrada do papa provocou a sua morte por enforcamento. Mesmo sem chegar as posições vanguardistas de Wycliffe e Huss, ele exigiu a reforma da Igreja Romana.

Erasmo de Roterdã

Teólogo e escritor holandês

Erasmo de Roterdã (1466-1536) foi um teólogo e escritor holandês, o maior vulto do Humanismo cristão, dedicou toda sua vida à causa da reforma interna da Igreja Católica. Seu sonho era uma Europa espiritual unida, com uma língua comum aproximando todas as pessoas. Foi aclamado “Príncipe do Humanismo”.

Erasmo de Roterdã (Desidério Erasmo) (1466-1536) nasceu em Roterdã, na Holanda, no dia 27 de outubro de 1466. Era filho de um religioso e de uma mulher da burguesia, o que lhe deixou marcas durante toda a vida. Ficou órfão e foi deixado aos cuidados de um tutor. Estudou no convento de Bois-le-Duc e em seguida no Convento de Santo Agostinho, de Steyn, onde dedicou-se à leitura dos clássico, tornando-se um dos homens mais cultos de seu tempo. Escreveu suas primeiras obras, “Antibárbaros” e “O Desprezo do Mundo”. Em seguida publicou um discurso intitulado “Bem da Paz”. Em 1942 foi consagrado sacerdote.

Em 1495 foi para o Colégio de Montaigu, na Sorbone, onde estudou para o doutorado em teologia, mas abandona o curso. Passou a lecionar buscando sua independência. Em 1499, foi para a Inglaterra onde estuda grego na Universidade de Oxford. Em 1500 publica “Adágios”, coleção de provérbios e citações em latim. A obra representou, para a época, o máximo em literatura de divulgação, tornando célebre o nome do autor.

A vida errante leva o humanista de volta à Paris, onde se dedica ao estudo do Novo Testamento. Em 1505 retorna à Inglaterra. No ano seguinte consegue a dispensa papal de obediência “aos costumes e estatutos do Convento de Steyn”. Em 1506 viaja para a Itália, onde se doutorou pela Universidade de Bolonha. Esteve em Veneza onde travou relações com cardeais e com o papa Júlio II. Em Pádua foi preceptor do filho bastardo de James Stuart.

Em 1509 Erasmo deixa a Itália e hospeda-se em Londres, na casa de Thomas More, um dos seus melhores amigos. Em poucos dias escreve “Elogio da Loucura”, uma obra satírica e de crítica aos costumes dos homens, em que a própria loucura fala em seu nome. No Colégio das Rainhas, em Cambridge, leciona grego e Teologia.

Em 1513, a Inglaterra mergulha na guerra contra a França. No ano seguinte vai para a Universidade de Louvain, na Bélgica. Em 1516 publica suas apreciações críticas do Novo Testamento e das “Cartas” de São Jerônimo, dedicando-as ao Papa Leão X. Vai para Londres e na casa de Thomas More escreve “O Manual do Príncipe Cristão”, dedicado ao futuro Carlos V.

Em 1517 tem início a Reforma Protestante. Atendendo aos desejos de Erasmo, uma sentença de Leão X permite-lhe deixar definitivamente o hábito da Ordem dos Agostinianos. Em 1521 Erasmo segue para a Basileia, na Suíça. Em 1524 cede aos insistentes apelos da Igreja e se pronuncia contra os princípios básicos da Reforma de Lutero. Seu sonho era uma reforma na Igreja sem precisar dividi-la. Entre 1526 publica “Os Colóquios”, sua obra mais importante do ponto de vista teológico, onde cumpre a missão de mostrar uma sociedade justa e razoável, verdadeiramente cristã e amiga da paz, que ele julga possível no futuro.

Durante oito anos permaneceu na Basileia, um refúgio na Europa dilacerada pela guerra, porém, chega a ameaça de uma guerra civil entre católicos e protestantes. Em 1529, o culto católico é abolido, a universidade é fechada e os mosteiros expropriados. Mais uma vez Erasmo precisa partir, vai para Friburgo, que está sob o domínio direto dos Habsburgo, não havendo possibilidade de ser atingido pela Reforma. Em 1536, volta à Basileia, para supervisionar a publicação da obra “Ecclesiastes”, quatro volumes sobre a arte de pregar.

Erasmo de Roterdã morreu na Basileia, na Suíça, no dia 12 de julho de 1536.

Bibliografia

http://www.a12.com/redacaoa12/historia-da-igreja/os-precursores-da-reforma-john-wyclif-e-jan-huss

https://pastormarcelosantos.wordpress.com/2012/05/18/os-precursores-da-reforma-protestante/

https://www.ebiografia.com/erasmo_de_roterda/

https://estiloadoracao.com/quem-foram-os-pre-reformadores/

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