A Graça, esta Incompreendida

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por

Ricardo Barbosa de Souza

O pecado criou uma enorme dificuldade para nossa compreensão do amor divino e para a forma como respondemos a este amor em todas as nossas relações.

Escrevi este artigo em outubro, refletindo, como sempre faço nesta época do ano, na influência e contribuição da Reforma do século 16 para a fé e a espiritualidade cristã. Um tema que sempre me vem à mente quando penso na Reforma é o da graça de Deus. Embora seja um tema central para a fé e a espiritualidade cristã, e que os reformadores insistiram em recuperar, continua sendo um dos mais mal compreendidos e experimentados pelo povo cristão. Penso que uma das razões para a incompreensão da graça de Deus na história do cristianismo é a incapacidade do ser humano de compreender e aceitar o amor incondicional de Deus.

A forma como amamos e temos sido amados nunca foi totalmente isenta de culpa, medo, insegurança, condição, manipulação ou chantagem. Mesmo havendo um certo grau de pureza em grande parte dos nossos sentimentos e intenções afetivas, sejam os que experimentamos dos nossos pais e amigos, sejam os que expressamos, a presença destes outros sentimentos negativos nos acompanham em quase todos os nossos relacionamentos. Algumas vezes, em virtude da história pessoal, nos vemos indignos de ser amados; outras, banalizamos o amor.

Assim tem sido também em nossa experiência espiritual. Uma das grandes preocupações dos reformadores foi com o comércio das indulgências e de todas as outras formas que, ao longo da história, têm sido usadas para barganhar o amor de Deus. Os reformadores insistiam em afirmar que o perdão de Deus nos foi ofertado por Cristo na cruz do Calvário, e que não havia nada a ser feito por nós, pois todo o preço já havia sido pago. Para eles, toda a experiência cristã é fruto da graça de Deus, que experimentamos por meio da fé naquilo que Cristo fez por nós.

Contudo, sempre foi muito difícil aceitar uma oferta, um presente que não nos custe nada, sem que tenhamos de fazer algo para merecê-lo, principalmente se esse presente for muito caro. Durante muito tempo, este era o pensamento da humanidade – era preciso fazer alguma coisa, realizar alguma caridade, qualquer bem que nos fizesse merecedores de tal amor. Os reformadores reagiram a isto dizendo que não há nada a ser feito: Deus, por meio do seu Filho, fez tudo por nós. O apóstolo Paulo havia também reagido a tal pensamento, afirmando que somos salvos, não pelas obras, mas pela graça de Deus. Esta verdade tirou um enorme fardo opressivo que a religião sempre impôs ao ser humano.

Porém, se no passado sempre houve essa necessidade de se fazer alguma coisa para merecer o amor de Deus, hoje temos um outro cenário mais sutil e tão perigoso quanto aquele, que é a necessidade de Deus fazer algo para merecer o nosso amor. A cultura pós-moderna gerou uma inversão nesse processo. No passado, o sentimento de culpa e a consciência do pecado eram grandes e faziam do ser humano alguém que não merecia o amor divino. Hoje, com o crescimento do individualismo, da cultura do consumo e dos direitos do consumidor, da busca pela auto-realização e da autossuficiência, a sociedade vem produzindo uma geração de narcisistas auto-indulgentes que precisam ser bajulados, mimados e adulados, sem que isso sequer produza algum sentimento de gratidão.

Muitas igrejas e pregadores estão oferecendo os “mimos” de Deus na forma de entretenimento religioso, promessas de vantagens econômicas, barateamento da santidade ou garantias de sucesso e saúde para uma geração entediada e frustrada, na esperança de que correspondam com um mínimo de generosidade no ofertório. O resultado é que, mais uma vez, o amor e a graça de Deus são incompreendidos.

Seja para aqueles que se sentem indignos e procuram fazer alguma coisa que os tornem merecedores do amor de Deus, seja para aqueles que se julgam lindos e maravilhosos, para os quais Deus tem de se desdobrar para conquistar seu amor, o que vemos é a enorme dificuldade que o pecado criou para a compreensão do amor divino e para a forma como precisamos responder a esse amor em todos os nossos relacionamentos.

Sabemos que a graça de Deus é a manifestação do seu amor por nós, pecadores. Deus nos ama incondicionalmente, isto é, não impõe ou exige qualquer condição para nos amar. João, o apóstolo do amor, afirma que “Deus nos amou primeiro”, revelando que o amor tem sempre sua origem no Senhor, que não fomos nós que fizemos alguma coisa que nos tornasse merecedores do seu amor, mas que ele livremente nos amou “quando nós éramos ainda pecadores”. João ainda nos afirma que “Deus nos amou de tal maneira que deu seu único Filho” e nos provou a natureza desse amor na cruz do Calvário, assumindo nossa culpa e oferecendo-nos seu perdão. Seja como pecadores dominados pela culpa, seja como narcisistas auto-indulgentes, todos nós permanecemos indignos do amor de Deus por uma razão simples: Não podemos compreender, experimentar, nem mesmo responder à pureza, santidade e perfeição do amor divino, se não for por meio de Cristo. O pecado não nos permite isso.

No entanto, Deus permanece nos amando em Cristo Jesus. Isto significa que, por causa da humanidade de Cristo e por ter ele assumido sobre si nossas culpas e pecados, e ter se oferecido a Deus em sacrifício por nós, o amor de Deus nos é doado gratuitamente por meio dele. Isto é graça. Não fizemos nada por merecer, continuamos indignos, mas Deus, em Cristo, revelou-nos seu amor e, por meio da fé, experimentamos a graça redentora.

É o amor de Deus que nos redime das incompreensões do amor, seja da culpa ou de qualquer forma de narcisismo. É esse amor que nos abre tanto para receber gratuitamente o perdão e a bondade quanto para repartir. É o amor de Deus em Cristo que nos liberta do pecado ou da auto-indulgência e nos conduz num caminho de comunhão e liberdade. É esse amor que nos liberta do egoísmo e nos transforma em pessoas altruístas. Que a graça de Deus, mais uma vez, seja generosa sobre todos nós, libertando-nos das incompreensões do amor.


Ricardo Barbosa de Souza é conferencista e pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília.

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3 respostas para A Graça, esta Incompreendida

  1. rfbarbosa1963 disse:

    A irreprimível Lei das consequências

    Ag 1:7
    “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Considerai os vossos caminhos.”

    A mente humana é constituída de tal modo, que precisa pôr-se a comtemplar algo, sendo assim, compromete-se a ponderar o caminho dos outros. Os fariseus eram uma classe de pessoas que levava em consideração os erros de todos, menos os seus. Eles julgavam os pecados da meretriz, do coletor de impostos e do beberrão, mas jamais as próprias iniquidades. Uma voz dos altos céus nos está falando por meio da Palavra de Deus, dizendo: “Vejam aonde os seus caminhos os levaram!” – observe-os com atenção e os considere seriamente.
    Tudo conspira a nos impedir de fazê-lo. A sociedade quer que façamos de tudo, exceto considerar nossos caminhos. Entretanto, isso é mais importante do que qualquer outro aspecto que demande a nossa atenção. Você pode meditar acerca de uma casa, um carro, uma viagem ou a sua saúde – ou quaisquer dessas inúmeras opções legítimas. Contudo, mais importante do que o ramo de aprendizado com o qual você possa se envolver em qualquer lugar e hora, deve ser refletir sobre os seus caminhos de maneira cuidadosa, séria, inteligente e honesta. Quando as Escrituras advertem: “Vejam aonde os seus caminhos os levaram!”, referem-se às nossas escolhas morais. Observe que você deve analisar os próprios caminhos, colocando o foco de sua atenção na obra do Espírito Santo, o que é contrário ao que nos habituamos a fazer.

    A graça e as consequências coexistem

    Uma das características da letargia espiritual é um entendimento falho da lei das consequências. Por alguma razão, muitos cristãos acham que, quando nascem de novo, não precisam mais lidar com o resultado de suas escolhas. Por isso, muitos encaram com desdém a ideia de arcar com esses efeitos. Afinal, eles dizem: “Estou vivendo pela graça”.
    Ninguém jamais questionaria o fato de que o rei Davi fora um homem piedoso. A Bíblia chega afirmar que ele era um coração segundo coração de Deus (ver Atos 13:22). Entretanto, esse líder sofreu intensamente quanto as consequências. Com todas as vitórias que obteve, poderíamos facilmente presumir que ele não precisava se preocupar com isso.
    A história de Davi e Bate—Seba é bem conhecida por todos aqueles que leem as Escrituras (ver 2ªSm 11 e 12). Esse foi um dos momentos mais obscuros na vida de Davi. Ele fez determinadas escolhas, e, por causa disso, certas consequências se materializaram. Para cada ação, há um efeito correspondente.
    No caso de Davi, o ato foi o seu relacionamento adúltero com Bate-Seba. Esse comportamento foi um escolha que o rei fez sozinho, pela qual teve da assumir a responsabilidade. A consequência foi a morte do filho que Bate-Seba esperava. Por mais que Davi tivesse implorado a Deus que poupasse a vida da criança, ela morreu. Um princípio bíblico que muitas vezes é interpretado erroneamente está registrado em Gálatas 6:7 – ARA: Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. Trata-se da irreprimível lei das consequências.
    Por causa da crescente apatia espiritual entre muitos cristãos, algumas vezes, fazemos escolhas sem qualquer consideração aos efeitos que incorrerão. Também cultivamos um espírito de expectativa imprópria. Quero dizer com isso que não associamos nossas expectativas às nossas ações. Não se engane: neste momento, você terá de enfrentar as consequências das escolhas que fez ontem. Amanhã, terá de lidar com os efeitos das decisões tomadas hoje.

    VICTORY THROUGH GRACE
    [VITÓRIA PELA GRAÇA]
    Fanny J. Crosby1

    Cavalga o Rei com poder,
    Levando Seu grande exército
    à batalha renhida vencer;
    Veja-os avançar com valor,
    Vestidos com vestes de luz,
    Aclamando o Nome do Mestre,
    ouça-os bradar com vigor:

    A batalha não pertence ao forte,
    Nem ao veloz a corrida,
    Mas ao sincero e fiel a vitória
    Pela graça é prometida.

    Vencendo agora e para sempre,
    Quem é esse Rei majestoso
    Que lidera os grandes exércitos
    Dos que cantam o Seu louvor?
    Ele é o nosso Deus e Senhor,
    Salvador e Monarca divino;
    Eles, estrelas fulgentes,
    Filhos do Reino do Seu amor.

    Vencendo agora e para sempre,
    Sobre todos é soberano,
    Tronos e certos perecem,
    Coroas perdem seu resplendor
    Mas as tropas que Tu lideras
    Permanecem fiéis e sinceras,
    E encontrarão o repouso eterno
    Quando aqui terminar a guerra.

    1 Frances Jane Crosby (1820-1915), também conhecida como Fanny Crosby, foi uma compositora lírica conhecida por se tornar a mais prolífera autora de hinos sacros conhecida, a despeito de ter ficado cega ainda criança.

    Os Perigos de uma Fé Superficial – Desperte da letargia espiritual
    A.W.Tozer
    Graça Editorial

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  3. Marcos carneiro disse:

    Prezado Ricardo,
    Um bálsamo para a fé cristã ver o Senhor levantando pessoas como você para restaurarmos as verdades contidas na Palavra de Deus. Eu venho propalando em minhas prédicas (quando substitúo eventualmente os pastores na Igreja Luterana em petrópolis ou na Centro Rio) e em e-maisl que distribuo a colegas no ãmbito da Petrobras que (figurativamente) necessitamos de uma Reforma (nova) dentro do que denominaram ” evangélicos” (eu me mantenho como Protestante) pois o que agora estão pregando é o hedonismo cristão misturado ao judaismo do VT.Deus estaria mais interessado em ser adulado, negociando graças materiais em troca de ” ofertas” (em dinheiro de preferência), cuidando de salvar o corpo aqui e agora.Salvação da alma eterna quase não se prega mais.É só milagres, prosperidade, um tal de ” foi Deus que me deu”, quase uma supertição.Jesus curou e até ressucitou pessoas, mas todas elas acabaram morrendo, ou seja, se é que esses personagens citados no NT ficaram fiéis até o fim de suas vidas, tiveram salvas suas almas, apesar da cura, mas caso contrário, pereceram no inferno, apesar da cura conseguida.
    Parabéns e que Deus continue o iluminando e capacitando para levar o seu verdadeiro evangelho aos que se encontram perdidos e condenados (por escolha).
    Marcos carneiro

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