O ensino de ciências para os que não pretendem ser cientistas

       A missão de todo professor é a de preparar bem as novas gerações para o mundo em que vivem e convivem, mas também para o mundo em que irão viver. Mas, como o mundo atual muda rapidamente, também a escola necessita estar em contínuo estado de atenção para se adaptar a essas mudanças e construir um ensino, tanto em conteúdo quanto em metodologia, coerente com a evolução dessas mudanças. Se as aulas que ministramos assim não se colocarem, é natural que os alunos se sintam entediados e busquem conquistar por outros meios os conhecimentos que consideram essenciais para compreender o mundo em que irão viver.

       Não são poucos os estudantes brasileiros que, a exemplo de seus colegas de outros países, assumem o chamado “paradoxo de Ícaro”, afastando-se dos ensinamentos propostos pelos professores por acreditar em outras fantasias e, ao querer aplicá-las á sociedade, destruírem-se pelo derretimento de suas bases. Isso vale para qualquer disciplina do currículo escolar e não vale menos para Ciências, seja para os anos iniciais, seja em aulas do Ensino Médio.

      Por essas razões, todo ensino necessita continuar prescrito a todos, sempre se pensando que quem aprende deverá se formar como uma “pessoa comum” que irá necessitar de relativamente poucos conhecimentos específicos para sua ação no mundo do trabalho e das relações interpessoais, compreendendo, ainda que superficialmente, algumas bases essenciais e os fundamentos presentes nos objetivos do ensino de Ciências. É por essa razão que, quando se fala no bom ensino para todos, é importante definir qual a essência dos conteúdos conceituais, das competências e habilidades que são imprescindíveis para uso fora da escola, seja qual for a profissão que no futuro o aluno irá exercer. Uma coisa é se discutir o que “entra” nos exames vestibulares, e outra, mais importante, que uso se fará do saber específico futuros médicos, administradores, engenheiros ou outros profissionais de qualquer área, formados no Ensino Superior ou não.

       Essas considerações impõem a todos os professores, seja qual for a disciplina que ensinam, algumas e inadiáveis novas funções. Por exemplo:

  • Selecionar, entre todos os saberes de Ciências existentes, aqueles que possam ser úteis aos alunos em cada um dos diferentes níveis de sua educação. Uma coerente “leitura” do mapa mundial, a percepção da identidade de cada país e de seus compromissos com valores globais, o sentimento cívico de que preservar o ambiente é garantir também aos ainda não nascidos igual direito de usufruto da terra e da natureza que desfrutamos. Também o sentimento de que a busca da paz mundial sempre deve se sobrepor a interesses específicos da cada nação são itens que, estudados em Ciências, mostram-se imprescindíveis a todos os lugares.

       É bem verdade que na maior parte das vezes os livros didáticos usados pelos professores já organizam essa seleção, mas é importante, não esquecer que essas obras são preparadas para todo o país ou para toda a grandeza de uma região geográfica e que, desta forma, existe necessária mudança e adaptação no conteúdo específico que se ensina. O ensino de Ciências para os que pensam ser cientistas profissionais é relativamente mais simples, pois basta mostrar as grandes linhas e diversidades das Ciências para que o aluno as selecione a seu gosto e vocação.

  • Conhecer em profundidade o que o aluno sabe e dentro de qual esfera cultural cresceu e cresce, para ajustar o que necessita a aprendizagem que efetivamente pode ampliar. Um aluno que provém de uma família razoavelmente culta, e que está habituada a leituras e a programas eruditos, possui uma prontidão de aprendizagem diferente de outros que, egressos de famílias culturalmente carentes, não cresceram desafiados a pensar e a conviver com outras culturas.
  • Partir do pressuposto que se deve “ensinar o programa”, seja qual for o nível cultural do aluno, constitui tolice pedagógica que cansa o professor e esmaga os resquícios da autoestima de alguns mais limitados.
  • Hoje já não pode mais ser assim e, por este motivo, e importante refletir e experimentar sobre os saberes que possam ser suficientes ao aluno para atuar no mundo que encontram à porta da escola. Mais do que nunca, é essencial que se recomende que seja sempre preferível saber pouco e bem, a cérebros entupidos de teorias carentes da lógica ou significação. Impossível esquecer que atualmente os mecanismos computacionais e de memórias permitem alunos que, sabendo pouco e bem, disponham de uma bagagem eletrônica volumosa em informações.
  • A aprendizagem permanente é ferramenta essencial a todos, e, por este motivo, é impossível se abrir mão da finalidade de se ensinar o aluno a aprender. Assim, o ensino de Ciências deve ser imprescindível ferramenta para que o aluno, independente de sua série ou nível, aprenda a pesquisar, argumentar, possuir uma visão sistêmica dos fatos, administrar formas e tipos diferentes de pensamentos, a cessar novas informações relacionando-as ao que sabe e ao que busca saber e, sobretudo, saber se socializar no vasto conceito a que esse verbo se refere.
  • Outro tema essencial para qualquer disciplina escolar é a introdução, quanto antes, no pleno domínio da computação, não somente para busca de informações, mas para um uso específico desse instrumento em todas as utilizações possíveis.
  • Finalmente, é sempre desejável que em Ciências, todos os alunos possam dominar e usufruir as competências e habilidades discriminadas no quadro seguinte:
Realizem leitura compreensiva Domínio integral da leitura escrita, lidando com seus símbolos e signos e beneficiando-se da compreensão integral e significação dos textos lidos.  
Dominem múltiplas linguagens. Ampliem a capacidade de expressão na argumentação oral e escrita e no uso de outras linguagens, como o desenho, a mímica, a interpretação de gráficos etc.
Desenvolvam a capacidade de solucionar problemas. Sintam-se estimulados para resolver problemas, seguindo raciocínio lógico e abstrato e sabendo expressar de forma diversificada os problemas solucionados ou pesquisados.
Saibam utilizar habilidades operatórias. Desenvolvam habilidades para compreender, interpretar, relacionar, conhecer, analisar, comparar e sintetizar dados, fatos e situações ligados a significação dos saberes escolares no cotidiano.
Conquistem uma visão integradora e sistêmica. Compreendam um fato ou fenômeno em todas as suas dimensões e saibam administrar as muitas redes de relações sociais que envolvem o viver e o conviver.
Alcancem capacidade de argumentação e diálogo. Exercitar e dominar estratégias de argumentação e valorizar o diálogo, a negociação positiva e as relações interpessoais.
Desenvolvam a iniciativa e criatividade. Possam estabelecer linhas de procedimentos que instigam a iniciativa e a criatividade e associar essas capacidades aos conteúdos escolares.
Conquistem a capacidade de pesquisar e acessar  informações. Aprendam a localizar, acessar, selecionar, classificar, contextualizar e usar melhor as informações disponíveis.
Desenvolvam plenamente a capacidade crítica. Descubram o sentido positivo da crítica, visando o domínio da cidadania e descobrindo meios e processos para se trabalhar e respeitar o pluralismo.
Desenvolvam a capacidade de cooperação e socialização. Aprendam o verdadeiro sentido da cooperação nas relações interpessoais, desenvolvendo a empatia e compreensão do outro e sabendo trabalhar solidariamente.


Não existe qualquer dúvida que o professor de Ciências não estará violando nenhuma regra sagrada em optar por bons livros ou apostilas didáticos, mas é essencial que encare esses recursos como instrumento auxiliar de sua pratica pedagógica, e não como depósito de verdades indiscutíveis para que o aluno se force a aprendê-las. Aprender ciências significa também aprender a duvidar, saber comparar, dispor de lucidez para analisar, de serenidade para sintetizar e de coragem para aplicar, e esses fundamentos devem ser mostrados em todas as séries para todos os alunos.

CIÊNCIAS E DIDÁTICA

COLEÇÃO COMO BEM ENSINAR

EDITORA VOZES

 

 

 

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