Jo 1:11
“[Ele]Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.”
Como é maravilhoso Deus ter vindo em carne, habitado entre nós e caminhado entre nós. Seguramente, isso esta repleto de prodígio e mistério, mas há um lado da Sua vinda mais trágico do que Willian Shakespeare poderia descrever com suas habilidades.
Estas duas palavras, [Ele] veio, têm um fascínio maravilhoso sobre mim. No início do evangelho de João, descobrimos o que Cristo estava fazendo antes da criação do mundo. João usa palavras muito simples: “Ele estava”, “nEle estava”, “Ele estava com”, “Ele era Deus”, “Ele estava em’. Embora sejam palavras muito simples, são a raiz da Teologia e de toda a verdade. Depois, em João 1:11, pela primeira vez nos é dada uma sugestão da encarnação. [Ele] veio é a primeira indicação. Antes disso, tinha estado no passado eterno ou existido desde a criação, mas antes da encarnação. “Nele estava a vida”, “no princípio Ele era”, “no princípio era Deus”, “Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem ele nada do que foi feito se fez”, “Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo homem que vem ao mundo”.
Não consigo afastar-me da maravilha destas palavras: “[Ele] veio”. A história da piedade, da misericórdia e do amor redentor está toda aqui. Toda a piedade que deus é capaz de sentir, toda a misericórdia que Ele é capaz de demonstrar e toda a graça redentora que ele podia derramar do Seu coração estão no mínimo sugeridas nessas duas palavras simples. As esperanças, aspirações, os desejos e sonhos de imortalidade que residem no peito humano tiveram seu cumprimento nessas duas palavras.
Imagino que isto nos deva sugerir que; (1) a simplicidade é sempre melhor; (2) é possível dizer mais com palavras curtas do que com as longas e (3) a brevidade derrota a enxurrada interminável da prolixa fala a que são dados os pregadores. A Bíblia diz: “[Ele] veio”; com isso, vieram todas as esperanças da humanidade. O homem sempre foi uma criatura esperançosa.
Em Essay on man [Ensaio sobre o homem], Alexander Pope escreveu; “A esperança jorra eternamente no peito humano. O homem nunca é, mas sempre será abençoado”. Ele capturou a essência do que está sempre presente no peito humano. O homem no seu pior dia, arrastando-se na sujeira e deitado no chiqueiro, possui um coração que aspira a coisas melhores. O filho pródigo que estava no chiqueiro lembrou-se da casa do pai e disse: “O que estou fazendo aqui?” O ser humano pode ficar lá e nunca se levantar, mas sempre aspira; ele se lembra. Toda a humanidade tem sonhos de imortalidade.
Ninguém quer ouvir: “Os restos mortais de Fulano serão enterrados na travessa Tal”. Existe algo em nós que luta contra a morte até o amargo fim. Nossa mente não a aceitará. Todos sabem que vão morrer, mas não acreditam que isso realmente lhes possa acontecer. Toda a humanidade abriga esperança de imortalidade e sonhos de uma vida futura. De onde veio esse sonho? Porque ele invade toda a humanidade? Muito simples: porque fomos criados à imagem de Cristo. Sepultado no interior da nossa alma criada, está o eco da imortalidade. Tudo se resume a estas duas palavras: “[Ele] veio”, que ocupam um pequeno espaço de uma linha. Contudo, o que Ele nos diz aqui é mais profundo do que toda a Filosofia.
Reúna em um único lugar toda a grande Filosofia de todas as culturas, desde o começo dos tempos, e nenhuma delas remotamente se aproximará da maravilha e da profundidade das palavras “[Ele] veio”.
Altamente subestimadas, essas palavras são mais bonitas e eloqüentes do que toda a oratória, são mais musicais do que toda a música e mais líricas do que todas as canções, porque elas nos dizem que nós, que estávamos em trevas, fomos visitados pela Luz. Eu gostaria que, quando cantássemos Jesus é a luz do mundo, tivéssemos no rosto um olhar que faria o mundo crer que dizemos a verdade. Gostaria que ficássemos tão estimulados com isso quanto os da Antiguidade.
John Milton1 celebrou a vinda de Jesus ao mundo no poema On the morning of Christ’s nativity [Na manhã do nascimento de Cristo], uma das odes mais lindas já escritas:
Este é o mês, e esta, a manhã feliz
Em que o Filho do Rei eterno dos céus,
Nascido de moça grávida, de mãe virgem,
Nossa grande redenção de cima trouxe.
Pois assim cantaram os santos sábios,
De que Ele nos libertaria da nossa perda mortal,
E, com Seu Pai, operaria em nós paz perpétua.
Aquela Forma gloriosa, aquela luz insuperável
E aquela Majestade que brilha desde longe,
Com que Ele Se habituou na Mesa do Conselho dos Céus,
Para assentar-Se na Unidade Trina,
Ele deixou de lado, para estar conosco aqui.
Abandonou as Cortes do dia eterno,
E escolheu casa lúgubre de barro mortal, como a nossa.
Essa foi a descrição que Milton fez da encarnação, e eu me deleito com sua beleza.
Embora “[Ele] veio” carregue em si fascínio e prazer que ultrapassam qualquer descrição, João diz posteriormente que Ele veio “para o que era Seu”. Tão rica e linda quanto a primeira parte, essa dá um passo adiante. A palavra seu é a mesma da nossa língua. Contudo, é completamente diferente quando usada por João. A primeira palavra seu é traduzida como suas próprias coisas. Seu próprio mundo, seu próprio lar. “[Ele] veio para seu próprio mundo; “[Ele] veio para aqueles de quem tinha posse”: “[Ele] veio para Suas próprias coisas”.
Uma tradução diz: “[Ele] veio para o seu lar, mas seu próprio povo não o recebeu”. Aqui, “Seu próprio” quer dizer que: “[Ele] veio ao seu mundo, e seu próprio povo não soube quem Ele era e não lhe recebeu”. A premissa aqui é: “[Ele] veio para o seu próprio mundo”, pois este é o mundo de Cristo. Este mundo em que nós compramos, vendemos, caminhamos sem rumo, abusamos do poder e tomamos pela força das armas –este mundo é o mundo de Cristo. Ele o fez e o possui por completo.
Certas pessoas acham o máximo Deus ser “o convidado de honra hoje à noite”. Às vezes, vão longe demais e dizem: “Deus é nosso parceiro sênior”. Isso, claro, é totalmente ridículo. Aqueles que proclamam que Deus é seu parceiro sênior gerem um negócio e, além disso, só se sentem satisfeitos quando o nome deles está escrito na porta. Nosso Senhor Jesus não é um convidado, tampouco um parceiro sênior. Ele é aquele que possui tudo!
- Perto do natal, as pessoas falam palavras bonitas sobre o bebê Jesus até a mídia secular bajula o Cristo criança com ar condescendente. No entanto, Ele não precisa da nossa condescendência e de alguém que aja como Seu relações-públicas. Ele não é um convidado, mas o anfitrião, e nós somos os convidados. Estamos aqui por seu consentimento e por sua bondade. Estamos neste mundo porque ele nos fez e nos trouxe aqui. Este mundo é dEle. Ele pode fazer o que quiser com o mundo, e ninguém pode censurá-Lo. Ele pode fazer o que desejar com a vida, a morte e a natureza. Ele pode fazer o que quiser naquele tempo catastrófico que chamamos de juízo.
- Embora pareça estranho que algumas pessoas pensem nisso, Jesus não precisa da nossa defesa nem que nos desculpemos por Ele. É bem capaz de defender-se e falar por si. Um deus que criou todas as coisas, inclusive o chão em que pisamos e no qual construímos nossas habitações temporárias, não precisa de gente que corra por aí se desculpando por Ele.
- Ele também não precisa que alguém assuma Sua parte, dizendo: “Ei, espere um minuto! Não é isto que Ele quer dizer. Ele enviou juízo sobre Sodoma e Gomorra, mas não foi bem assim; isso quer dizer algo mais”. Quer dizer exatamente o mesmo, e , quando o Deus Onipotente fez da mulher de Ló uma coluna de sal, quis dizer exatamente isto. Quando a Bíblia nos conta que existe um inferno para onde o s ímpios estão indo, ela quer dizer exatamente isto, e não outra coisa.
- Deus não precisa de mim nem de mais ninguém para esse assunto. Ele não quer que ninguém se levante e se desculpe em Seu lugar, tentando esclarecer as coisas de tal forma que o mundo compreenda. Meu papel é arrastar-me até Seus pés, como um pecador cheio de feridas e dizer: “Toca-me e cura-me”. Ergo-me, olho para o céu e digo: “Antes eu era pecador, mas agora sou redimido; o Senhor me salvou. Agora sou Seu filho e posso manter a cabeça erguida”.
- Deus fez este mundo no qual vivemos, portanto, o mundo é dEle. Se sou cristão, então este é o mundo do meu Pai. Pertence a Trindade. Não é meu, e eu vivo aqui pela boa graça divina. Todas as coisas com que lido e tudo em que toco pertencem ao meu pai. Todo o ar, os ventos, as nuvens, o milho, a seara de trigo ondulante, as florestas altas e nobres, os rios que correm – são todos dEle.
George Campbell Morgan, em seu livro The crises of the Christ [As crises de Cristo], mostra que muitas pessoas fazem um conceito errado de Jesus no deserto. Quando Ele foi para lá a fim de ser tentado pelo diabo, ficou naquele local durante 40dias e 40 noites, com as feras selvagens. Morgan disse que havia um conceito errôneo sobre isso. Temos pena dEle e imaginamos como o Mestre suportou estar com as feras. Imaginamos que estas poderiam ter desejado atacá-lo e Ele tenha necessitado de proteção de anjos.
Morgan afirmou com muita propriedade: “Não, não foi verdade. As feras reconheceram seu Rei e rastejavam aos seus pés; elas o lambiam, sem dúvida, e deitavam-se ao lado dEle. Reconheceram seu Senhor e Criador. O leão abanou a juba e ajoelhou-se ao lado daquele que lhe dera a vida. O mesmo urso que poderia ter devorado qualquer pessoa ajoelhou-se e bramiu aos pés do homem que estava jejuando por 40 dias e 40 noites.
Em vez de ter pena de Jesus pelas horas terríveis que Ele passou com as feras, devemos lembrar que Ele estava perfeitamente a salvo ali, pois nenhuma garra afiada arrancaria a pele do homem que Era Deus. O próprio vento soprou para Seu prazer. Ele cresceu em estatura e sabedoria. A própria terra, na qual Ele caminhava, sorria. As estrelas, à noite, olhavam para baixo, para a cabana do carpinteiro humilde. Ele estava em harmonia com a natureza. O mundo natural não estava contra ele, somente o mundo humano.
Como cristão, é inteiramente possível estar mais em harmonia com a natureza do que o mundo não salvo. São Francisco de Assis estava em harmonia com a natureza, e o mundo admirava-se por causa dele. Alguns riam, zombavam, e outros levantavam a sobrancelha e perguntavam se ele era mentalmente são. Na verdade, São Francisco estava tão completamente sujeito a Deus, repleto por dentro e tomado pela presença do Espírito Santo, que toda a natureza era sua amiga.
A Bíblia diz: Até as estrelas desde os lugares dos seus cursos pelejaram contra Síse ra (Jz 5:20b). Se as estrelas, em seus cursos, pelejaram contra o inimigo, então aquelas mesmas estrelas pelejam a favor do amigo de Deus. Acho que é possível estar tão sintonizado com o Altíssimo, que as próprias estrelas e seus cursos ficam do nosso lado. A natureza sorri e reconhece seu rei. Deus, que fez Adão, disse: “Agora você vai tomar conta de tudo”. No entanto, o pecado entrou, e tudo naufragou. Quando o pecado é removido, posso compreender por que São Francisco pregava aos pássaros, chamava o vento e a chuva de seus amigos, a lua de sua irmã, e teve uma vida prazerosa, porque o mundo abençoado de Deus o recebeu.
Veja a humanidade hoje; quantos carregam fardos com um senso profundo de vergonha? Do que estão envergonhados? Que negócio é esse de nós, que fomos criados à imagem de Deus, ficarmos envergonhados? Devemos nos envergonhar apenas do pecado, e não do mundo que Deus criou.
Se o pecado fosse removido do mudo, não haveria medo nem do que se envergonhar. Nunca haveria doentes, ninguém seria vítima de crime hediondo. Não haveria criminoso atrás das grades ou gente mentalmente insana vivendo em manicômios. Não haveria evidência do mal. Se você removesse o pecado do mundo, deixaria sua casa sem precisar trancá-la. Poderia levar o dinheiro no bolso da calça e não colocaria em um banco atrás de guichês, com um policial vigiando. Poderíamos andar em qualquer local da cidade, sem medo de ataque, se ao menos pudéssemos remover o pecado do mundo.
No relato do Evangelho, vemos que Jesus nunca ficou doente nem nada estava errado com Ele, O Senhor levou um corpo perfeito ao Calvário. Embora levasse todas as nossas enfermidades, elas foram, em primeiro lugar, lançadas sobre Ele. O Deus Todo-Poderoso levou o barril nojento do suco venenoso chamado pecado, que borbulha e vicia, e o derramou sobre o corpo de Jesus. Ele morreu sob o peso de nossos pecados e nossas enfermidades, mas nunca pecou nem teve doença alguma.
E Ele Habitou entre nós – Ensinamentos do evangelho de João
A.W. Tozer
Graça EDITORIAL
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